Nos últimos meses, um novo projeto de lei apresentado pelo governo angolano tem gerado intensos debates. A proposta, liderada pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MTTICS), visa regular a disseminação de informações falsas na internet. No entanto, para muitos críticos, a proposta mais parece um ataque direto à liberdade de expressão.
Uma das partes mais controversas do projeto é sua abrangência. Literalmente. A proposta confere ao Estado angolano o poder de punir qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo — ou do universo — que divulgue conteúdos considerados falsos com impacto em Angola. Isso inclui até habitantes fictícios de Marte, caso publiquem algo que reverbere em solo angolano.
Pode parecer uma hipérbole, mas o que o texto da lei sugere é exatamente isso: quem publicar qualquer conteúdo com consequências para o país, mesmo que não seja diretamente sobre Angola, poderá ser responsabilizado.
A nova proposta traz exigências duríssimas para plataformas como Google, WhatsApp e Facebook. Os fornecedores desses aplicativos poderão ser multados em até 35 mil salários mínimos (cerca de 2,7 milhões de dólares), caso não cumpram as regras impostas pela legislação.
Essas empresas teriam de relatar dados detalhados sobre engajamentos com conteúdos classificados como desinformação — número de visualizações, partilhas, denúncias e até alterações feitas após pedidos de usuários. Além disso, devem manter equipes dedicadas exclusivamente ao combate à desinformação em Angola.
A proposta vai além da esfera corporativa e atinge diretamente o cidadão comum. Quem compartilhar conteúdos considerados falsos nas redes sociais poderá ser condenado a até cinco anos de prisão. Se o conteúdo atingir figuras públicas ou for classificado como ofensivo ao governo, a pena pode chegar a oito anos. Casos ligados a eleições ou segurança nacional podem render até dez anos de cadeia.
Para meios de comunicação digitais, as penalizações são ainda mais severas. Sites de notícias poderão ser multados por períodos que chegam a 130 mil dias, o equivalente a quase 356 anos de sanção financeira.
Apesar da rigidez da lei, o conceito de “informação falsa” continua vago. A definição apresentada no projeto menciona a intenção de enganar, manipular ou causar dano, mas falha em estabelecer critérios claros e objetivos. Essa ambiguidade abre espaço para interpretações arbitrárias e uso político da legislação.
Casos recentes, como o anúncio (e posterior negação) de um suposto gasto de 20 milhões de dólares em bandeiras para a celebração dos 50 anos da independência, mostram como até mesmo fontes oficiais se contradizem. Qual delas seria punida sob esta nova lei?
Diversos analistas têm interpretado essa proposta como uma estratégia do governo para silenciar críticas, especialmente em tempos de crescente insatisfação popular. Ao invés de fortalecer a democracia e promover o direito à informação, a nova lei parece tentar controlar o discurso e proteger os interesses dos que estão no poder.
Em vez de atacar as causas do descontentamento — como a pobreza, o desemprego, a corrupção e a má gestão — o foco recai sobre os canais de comunicação utilizados pelo povo para expressar suas frustrações.
Outro ponto levantado pelos críticos é o uso da comunicação social pública como ferramenta de propaganda. Em um país onde rádios, jornais e televisões estatais contam com milhares de funcionários, espera-se pluralidade e imparcialidade. No entanto, o que se observa é uma narrativa quase exclusivamente favorável ao governo, com pouca ou nenhuma representação de vozes dissonantes.
Se o objetivo for de fato combater a desinformação, o processo deve começar por garantir que os meios públicos de comunicação sejam realmente livres e representem todas as camadas da sociedade.
No fundo, o que essa proposta de lei escancara é o medo. Medo do que vem pela frente — das eleições de 2027, do julgamento popular, e da crescente mobilização digital. O controle das redes sociais parece ser, para muitos, uma tentativa desesperada de manter o poder intacto.
É legítimo combater a desinformação. Mas isso deve ser feito com transparência, diálogo e respeito aos direitos fundamentais. Censurar o povo não é a resposta — é a prova de que algo está profundamente errado.