Um gesto de responsabilidade institucional em São Tomé e Príncipe está a lançar novas luzes sobre a falta de accountability em cargos de topo do sistema judicial angolano. Manuel Silva Gomes Cravid, presidente do Supremo Tribunal de Justiça santomense, anunciou que está a colocar o seu cargo à disposição até à conclusão de um inquérito que apura uma alegação de abuso sexual de menor ocorrida há cerca de 20 anos.
A decisão foi comunicada através de uma carta oficial, citada pela agência LUSA, na qual Cravid se compromete a colaborar plenamente com a investigação, suspendendo voluntariamente as suas funções enquanto decorre o processo. O gesto tem sido visto como um exemplo de dignidade institucional e de respeito pela imagem da magistratura.
No entanto, o contraste com o panorama em Angola tem gerado críticas e reflexões. Em particular, destaca-se a postura do juiz Joel Leonardo, presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), que, mesmo envolvido em diversas denúncias — incluindo corrupção, peculato e práticas de nepotismo —, permanece em funções e nunca se pronunciou publicamente sobre as acusações.
Documentos e relatos divulgados ao longo dos últimos anos sustentam parte das denúncias contra Leonardo. Apesar disso, não houve qualquer indicação de afastamento temporário ou renúncia ao cargo. Uma investigação foi aberta pela Direção Nacional de Investigação e Ação Penal (DNIAP), mas até hoje o processo permanece envolto em silêncio e lentidão processual.
Fontes ligadas ao Ministério Público indicam que o inquérito entrou numa fase de instrução preparatória, mas não há prazos definidos nem previsões sobre quando — ou se — o caso será levado a julgamento.
As comparações tornaram-se ainda mais intensas após o afastamento da ex-presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa, acusada de corrupção e extorsão. Apesar de também envolta num processo que se arrasta há dois anos, Gambôa renunciou ao cargo, algo que muitos esperam — sem sucesso — que Joel Leonardo também venha a fazer.
Até mesmo o Procurador-Geral da República, Hélder Pitta-Grós, chegou a afirmar em julho do ano passado que o processo contra a ex-juíza estava pronto para ser remetido ao tribunal. Porém, meses depois, não houve qualquer avanço visível.
Casos como estes alimentam a percepção pública de seletividade na luta contra a corrupção e fragilizam os compromissos assumidos pelas autoridades com a moralização da justiça. Enquanto isso, o gesto de Cravid em São Tomé é apontado como um modelo de conduta que poderia — e deveria — inspirar posturas semelhantes em Angola.