DW
Joaquim Carvalho, um dos sobreviventes do 27 de maio de 1977, foi sequestrado e esteve preso durante 27 meses, mas nunca foi julgado depois de ter sido acusado de vários crimes. Ouvido pela DW a propósito da polémica à volta das ossadas, este cidadão angolano pede ao Estado o respeito pela memória das vítimas daquele período sombrio da história de Angola.
“O que eles fizeram, o que eles vêm promovendo na sociedade é uma falsidade. Ora, nós temos então que reivindicar a boa memória das vítimas de todo esse processo. Por isso nós também pretendemos ter as ossadas“, frisou.
“Tenho um irmão que também foi fuzilado nessa altura, mais precisamente em agosto de 1977, e estranhamente foi dada uma certidão de óbito absolutamente tonta à minha mãe, em que incluía a acusação que eles me faziam a mim. Esse meu irmão estava no Huambo e eu estava em Luanda”, recorda.
Joaquim Carvalho, que tem recolhido muita informação sobre este processo histórico, reage ao desinteresse das autoridades angolanas em esclarecer a história.
“Se o poder em Angola estivesse interessado em esclarecer a verdade criaria uma Comissão de Verdade. Eles até têm declarações de pessoas obtidas sob tortura, que nós depois temos de rebater. Mas, se eles não querem criar a Comissão de Verdade, é porque têm medo de alguma coisa. Não somos nós que temos medo disso. Para nós, é importantíssimo a tal Comissão de Verdade enquanto nós estivermos vivos. Porque o que o poder está a fazer neste momento é a tentar fazer esquecer”, critica.
Este sobrevivente pede a abertura dos arquivos do Estado, nomeadamente da então polícia política angolana (DISA), dos Ministérios da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, bem como do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), entre outros. Seria uma das medidas que ajudaria a “apaziguar [sobretudo] a alma dos sobreviventes, dos familiares dos mortos e desaparecidos”, adianta Joaquim Carvalho.
Novo livro
O historiador angolano, Jean Michel Mabeko-Tali, acaba de lançar em Lisboa “Rótulos Atribuídos, Rótulos Assumidos”, uma obra na qual aborda factos da luta armada anticolonial até ao 27 de maio de 1977. O académico considera “complexa” a polémica em torno das ossadas falsas.
“Aquilo que a gente vai sabendo nestes anos todos é que alguns dos corpos não estavam enterrados devidamente. A questão era como recuperar esses corpos e as ossadas. Esta era a pergunta que levantei logo”, comenta.
Contra o tabu à volta deste episódio, o académico diz que ainda há muito por debater sobre esse período da história de Angola, depois do pedido de perdão apresentado pelo Governo do Presidente João Lourenço.
“Até onde isso irá não sei, mas acho que para a saúde psicológica de Angola como Nação, digamos assim, é bom que a gente vá abrindo pedaço por pedaço as páginas desta história trágica que foi o 27 de maio”, reiterou.
Luto por encerrar
Marcolino Moco lamenta o ocorrido com a questão das ossadas falsas. O antigo primeiro-ministro de Angola diz que isso não ajuda as famílias lesadas a fazerem o luto dos seus entes queridos.