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“Acordo militar com a Rússia belisca relações de São Tomé com a Europa”

São Tomé e Príncipe e a Rússia assinaram um acordo militar que pretende intensificar o treino militar conjunto, mas também o recrutamento de forças armadas, utilização de equipamento militar, prevendo ainda que Moscovo envie aviões e navios de guerra para o arquipélago. O analista político, Olívio Diogo, reconhece que, numa altura em que a Rússia é o inimigo declarado da Europa, este acordo pode beliscar as relações de São Tomé com o velho continente.

O que prevê este acordo militar assinado entre São Tomé e Príncipe e a Rússia?

Olívio Diogosociólogo e analista político: Trata-se de um acordo para prevenção, treinos militares e recrutamento de forças armadas, utilização de armas e equipamentos militares, logística, intercâmbio e um conjunto de outras situações.

São Tomé e Príncipe está à procura de um país que lhe forneça armamento e a Rússia é o interlocutor certo?

É preciso ver que São Tomé e Príncipe não está propriamente à procura de armamento e também não se pode considerar que a Rússia seja propriamente o parceiro certo para isso. Mas o que nós temos que entender é que, tirando o facto de hoje a Rússia estar em guerra com a Ucrânia, a Rússia já teve um acordo militar, no passado, com São Tomé e Príncipe.

Aliás, todo material bélico que São Tomé e Príncipe possui, até os dias de hoje, foi todoo fornecido pela Rússia. Na altura em que partimos para a independência, em que havia o comunismo, a Rússia forneceu esse material.

Este acordo prevê ainda que a Rússia envie navios de guerra para o arquipélago. Esta presença militar deve ser vista com preocupação pela Europa, numa altura em que a Rússia continua a atacar a Ucrânia?

Isto é realmente pode ser visto como uma preocupação para a Europa, porque a Rússia continua a atacar a Ucrânia. Todos os países da NATO e muitos da União Europeia estão contra a Rússia. Realmente, este acordo pode beliscar aquilo as relações entre São Tomé e Príncipe e os países europeus.

Todavia, São Tomé e Príncipe, como um arquipélago, é um país que está muito sujeita à invasão do mar e já discutimos isso com os países europeus, alertando para a necessidade de termos aqui navios. No passado, Portugal enviou para São Tomé e Príncipe pequenos navios de guerra, que ficaram nas nossas águas, para ajudar a nossa protecção. E a Rússia certamente fará isso. Mas a questão que se coloca, eu compreendo a preocupação, é se a Rússia não irá transformar isto num ponto estratégico para a sua potencialidade contra os outros países.

Este acordo revela que a influência da Rússia em todo o continente não pára de crescer e que as ex-colónias portuguesas são um alvo que segue?

A influência da Rússia nos países africanos é uma influência natural. Já a relação que os países africanos têm com, por exemplo, com os Estados Unidos da América é uma relação que tem sido descuidada, em muitos aspectos, os Estados Unidos da América deixaram-nos para trás.

Há muito tempo que temos alertado para a fragilidade das nossas fronteiras marítimas e que não temos uma protecção para nossa costa. Navios pesqueiros invadem as nossas águas territoriais e põe em risco a questão das pescas. No passado tivemos acordos com os Estados Unidos da América, houve muitas promessas, mas nada aconteceu. Então São Tomé e Príncipe foi buscar a Rússia para proteger as águas marítimas.

Ou seja, onde a Europa e os Estados Unidos falharam, agora a Rússia está a dar essa resposta?

Exactamente. O vazio que a Europa e os Estados Unidos deixaram está a ser preenchido pela Rússia. Isto está a acontecer em muitos outros países africanos, com muita vulnerabilidade económica e social. Nós estaremos à procura de soluções para resolver as vulnerabilidades.

Esta cooperação militar com a Rússia pode colocar a ajuda externa, da qual São Tomé e Príncipe é muito dependente, em causa?

É uma ameaça visível. São Tomé e Príncipe quando assume esta posição com a Rússia pode pôr em causa os estatutos de cooperação que tem com os outros países, fragilizando, de certa forma, o país. São Tomé é um país que não tem recursos para atender às necessidades económicas [da população].

Este acordo pode colocar mesmo em causa as parcerias dentro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa-CPLP?

No que diz respeito aos países de língua portuguesa-CPLP-, penso que não. Se repararem, mesmo no conjunto da CPLP, a posição dos países não é unânime em relação ao conflito Rússia/Ucrânia. Alguns países mostraram-se a favor da Rússia, outros a favor da União Europeia.

 Foi o caso de São Tomé Príncipe, o país nunca condenou a invasão russa da Ucrânia…

Sim, São Tomé e Príncipe nunca condenou a invasão russa e isso nunca beliscou a relação com a CPLP.

Em Portugal, vários especialistas acusam a diplomacia portuguesa de ineficácia e alertam que Moscovo se prepara para explorar outros países de língua portuguesa, como é o caso de Moçambique, que vive sérios problemas no Norte. Em Cabo Delgado, acha que esse cenário é possível?

Este cenário é mais do que possível. A União Europeia e, sobretudo, Portugal, não têm dado resposta a muitos problemas que têm os países da CPLP. É verdade que Portugal tem feito muito, mas Portugal não consegue ir para além daquilo que são as expectativas deste país.

No caso de São Tomé e Príncipe, se for ver a nossa frota bélica, nem sequer temos transporte de guerra, todo equipamento é obsoleto. Precisamos de reformular o nosso armamento militar. É verdade que São Tomé e Príncipe não é um país que esteja em guerra, mas temos a eterna questão da fronteira marítima. E nem a União Europeia, nem os Estados Unidos, conseguiram dar-nos apoio concreto.

Em vários países africanos, a Rússia está a oferecer um pacote de sobrevivência aos regimes políticos locais a troco de acesso a recursos naturais estratégicos. De acordo com a BBC, que teve acesso a documentos do governo russo, Moscovo chegou mesmo a conseguir alterar leis em vários países da África Ocidental para excluir empresas ocidentais de operarem em regiões de importância estratégica para a Rússia. Há esse risco que isto possa acontecer em São Tomé e Príncipe?

É preciso perceber o que vai na cabeça dos nossos governantes para assinarem este acordo. Será que se trata apenas de um acordo para defender as nossas águas territoriais? será para perpetuar o regime que temos neste país? São estas questões que preocupam a sociedade civil. Esperemos que não seja um acordo para criar situações em que este regime altere o regimento ou a Constituição em vigor.

O Governo deve ser chamado à atenção para que este acordo seja apenas para permitir a protecção da nossa zona marítima e não para transformar este país num regime que venha pôr em causa o sistema pluralista e democrático que está instalado em São Tomé e Príncipe.