Apesar do recente Acordo de Washington, assinado com o objectivo de restaurar a paz no leste da República Democrática do Congo (RDC), os confrontos armados não cessaram. Horas depois das assinaturas, continuavam a ser reportados combates intensos entre forças governamentais congolesas e o grupo rebelde AFC/M23, apoiado pelo Ruanda e não abrangido pelo acordo.
O movimento rebelde acusou o exército congolês de lançar ataques em várias frentes, enquanto as Forças Armadas da RDC afirmaram que posições do país estavam a ser bombardeadas por tropas ruandesas. A persistência da violência mostra que o documento assinado em Washington representa, para já, mais uma declaração de intenções do que um mecanismo eficaz de cessar-fogo.
Segundo a análise, o entendimento alcançado em Washington tem forte componente simbólica e política, servindo para reforçar a imagem de Donald Trump como mediador internacional. Contudo, à semelhança de vários episódios históricos — como o falhado compromisso de Neville Chamberlain com a Alemanha nazi em 1938 —, a paz não se cimenta apenas com gestos diplomáticos, mas com garantias e instrumentos de controlo efectivos.
Entre os elementos anunciados, há um que pode vir a ser determinante: a proposta de criação de um quadro de integração económica regional entre a RDC e o Ruanda. Esta ideia remete para a experiência europeia do pós-guerra, quando a França e a Alemanha, inimigos históricos, foram reconciliadas através da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), mecanismo que submeteu recursos estratégicos a uma autoridade comum e lançou as bases da União Europeia.
O leste da RDC, rico em coltan, ouro, cassiterite e outros minerais essenciais à economia digital, tem sido palco de exploração ilegal, alegadamente com benefício do Ruanda, alimentando décadas de instabilidade. O modelo proposto pretende transformar os recursos naturais de fonte de conflito em motor de cooperação económica, criando interdependências capazes de reduzir incentivos à guerra.
Apesar do potencial, a implementação enfrenta desafios profundos:
desconfiança histórica entre Kinshasa e Kigali, proliferação de grupos armados,corrupçãogeneralizada,instituições frágeis, incapazes de fiscalizar ou arbitrar disputas.
A análise aponta que a paz depende de medidas concretas, entre elas:
infra-estruturas transfronteiriças que incentivem o comércio legal, partilha transparente das receitas minerais, criação de instituições regionais de supervisão semelhantes à Alta Autoridade da CECA, envolvimento das omunidades locais, garantindo que a paz não seja apenas um acordo das elites.
Sem estes pilares, o risco é que o acordo legitime internacionalmente a continuação da exploração de recursos por interesses externos — incluindo Ruanda e empresas norte-americanas — enquanto o conflito continua a devastar populações.
Tal como no passado europeu, os Estados Unidos podem desempenhar um papel fundamental, mas só se aliarem a diplomacia a apoio económico real, investimento em infra-estruturas e pressão política sobre os dois governos. Caso contrário, a iniciativa arrisca transformar-se num exercício de relações públicas, incapaz de alterar a situação no terreno.
A paz no leste da RDC não surgirá de um acordo formal, mas de uma visão estratégica acompanhada por ações concretas. Se a integração económica entre RDC e Ruanda for efetiva e sustentada, poderá — à semelhança da CECA — transformar rivais em parceiros. No entanto, isso exigirá compromisso, transparência e intervenção consistente dos EUA para além das fotografias e declarações de ocasião. Somente assim o conflito poderá dar lugar a estabilidade e prosperidade partilhada.

