O cenário político-judicial angolano vive momentos decisivos. Uma nova proposta legislativa apresentada pelo Presidente da República, João Lourenço, à Assembleia Nacional sugere mudanças significativas na estrutura do sistema judiciário. A principal delas: a extensão do mandato do atual Presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, de sete para dez anos.
A proposta foi enviada à Presidente do Parlamento, Carolina Cerqueira, na última sexta-feira, como parte de um pacote de reformas ao Tribunal Supremo. Essas mudanças começaram a ser discutidas no Parlamento desde 23 de abril, quando os deputados aprovaram, na generalidade, uma nova versão da Lei Orgânica do Tribunal Supremo. Entre os principais objetivos da reforma estão a redefinição dos critérios para a nomeação de juízes e o aperfeiçoamento da legislação existente.
Antes da votação final marcada para 21 de maio, o Presidente introduziu duas novas propostas. A primeira eleva o Tribunal Supremo à condição de instância máxima da jurisdição comum, hierarquicamente acima do Tribunal Constitucional. A segunda é a extensão do mandato presidencial da corte suprema de sete para dez anos — mudança que permitiria a permanência de Joel Leonardo até 2029.
Segundo informações divulgadas, essas emendas teriam sido inseridas de forma discreta, sem comunicação prévia ao grupo parlamentar do MPLA, partido no poder, e aos demais deputados. Mesmo assim, a proposta foi aprovada por unanimidade na especialidade no dia 6 de maio, com orientações internas para que sua discussão fosse agilizada.
Joel Leonardo, cujo mandato atual termina em 2026, poderá continuar à frente do Tribunal Supremo por mais três anos, caso a proposta seja aprovada no plenário. Isso permitiria que João Lourenço concluísse seu segundo mandato presidencial, em 2027, com Leonardo ainda à frente da mais alta instância judicial do país.
Essa estratégia, segundo analistas, garantiria ao Presidente uma transição política mais controlada, já que mesmo fora da presidência, Lourenço pretende seguir como líder do MPLA — mantendo, assim, influência sobre o sistema judiciário através de figuras de confiança como Joel Leonardo.
A permanência de Joel Leonardo no comando do Tribunal Supremo, no entanto, levanta controvérsias. O juiz enfrenta investigações preliminares por corrupção conduzidas pela Procuradoria-Geral da República, que estariam paralisadas devido à sua proximidade com o Presidente. As acusações incluem nepotismo e contratos suspeitos com empresas ligadas à sua esposa e filhos, envolvendo serviços de limpeza e jardinagem.
Esses elementos levantam dúvidas sobre a independência do poder judicial em Angola. Para especialistas, a vulnerabilidade jurídica de Leonardo reforça seu vínculo de lealdade ao Presidente, criando um ambiente de dependência mútua e possível prolongamento da influência presidencial no pós-mandato.
A proposta de extensão do mandato será avaliada em votação final no dia 21 de maio. O debate está em alta entre juristas, analistas políticos e representantes da sociedade civil, que enxergam nas mudanças um redesenho da estrutura do poder em Angola, com repercussões que poderão ultrapassar o atual ciclo político.
O desfecho dessa reforma poderá determinar o grau de autonomia do judiciário nos próximos anos e influenciar diretamente os rumos da transição presidencial prevista para 2027.